O fato de que um número negativo não tem raiz quadrada parece ter sido
sempre claro para os matemáticos que se depararam com a questão.
As equações de segundo grau apareceram na matemática já nas tabuletas de
argila da Suméria, aproximadamente 1700 anos antes de Cristo e,
ocasionalmente, levaram a radicais de números negativos; porém, não foram
elas, em momento algum, que sugeriram o uso de números complexos.
A rigor, uma equação era vista como a formulação matemática de um problema
concreto; assim, se no processo de resolução aparecia uma raiz quadrada de
um número negativo, isto era interpretado apenas como uma indicação de que o
problema originalmente proposto não tinha solução. Como veremos neste
capítulo, foram só as equações de terceiro grau que impuseram a necessidade
de trabalhar com estes números.
Vejamos inicialmente alguns antecedentes. Um primeiro exemplo desta atitude
aparece na
Arithmetica de Diophanto. Aproximadamente no ano de 275
d.c. ele considera o seguinte problema:
Um triângulo retângulo tem área igual a 7 e seu perímetro é de 12
unidades. Encontre o comprimento dos seus lados.
Chamando
x e
y o comprimento dos catetos desse triângulo
temos, na nossa notação atual:
.
Substituindo
y em função de
x obtemos a equação:
,
cujas raízes são:
.
Neste ponto
Diophanto observa que só poderia haver solução se
o que implica, obviamente, que não
existe o triângulo procurado. Neste contexto, é claro que não há
necessidade alguma de introduzir um sentido para a expressão
.
Outras referências à questão aparecem na matemática indiana. Aproximadamente
no ano 850 d.c., o matemático indiano
Mahavira afirma:
... como na natureza das coisas um negativo não é um quadrado, ele não tem portanto raiz quadrada.
Já no século XII o famoso matemático
Bhaskara (1114-1185 aprox.) escreve:
O quadrado de um positivo é positivo; e a raiz quadrada de um positivo é
dupla: positiva e negativa. Não há raiz quadrada de um negativo; pois ele não é um quadrado.
Também na matemática européia aparecem observações desta natureza,
Luca Paccioli, na sua
Summa di Arithmetica Geometria, publicada em 1494,
escreve que a equação
é solúvel somente se
e o matemático francês Nicolas Chuquet (1445-1500 aprox.) faz observações
semelhantes sobre ``soluções impossíveis'' num manuscrito não publicado de 1484.
Desde que os
babilônios descobriram a forma de resolver equações
quadráticas, se passaram mais de 3000 anos até a descoberta da fórmula que
da as raízes das equações de terceiro grau por Del Ferro,
Cardano e
Tartaglia no início do século XVI. Dada a equação
, a fórmula
de Cardano-Tartaglia que permite obter uma raiz é:
.
Esta fórmula, junto com o método de resolução das equações de quarto grau,
foi dada a público em 1545, no
Ars Magna, de Cardano. A publicação
desta obra deu um novo impulso ao estudo da álgebra.
É claro que quando
a fórmula
parece não ter sentido: porém, mesmo neste caso, a equação pode ter solução.
Em 1575, um outro algebrista italiano chamado
Raphael Bombelli publicou um
livro chamado
Álgebra em que descreve as idéias de Cardano de forma
didática. é precisamente neste livro onde aparece pela primeira vez a
necessidade explícita de introduzir os números complexos e também uma
primeira apresentação do assunto.
Ao aplicar a fórmula acima ao exemplo
, Bombelli obtém:
,
mas é facil perceber diretamente que
é uma solução desta equação.
Bombelli decidiu trabalhar como se
raízes quadradas de números negativos
fossem verdadeiros números. Ele concebe que a raiz cúbica de
pode ser um ``número'' da mesma forma, isto é, do tipo
. Talvez, a raiz cúbica de
seja da forma
. Neste caso, ter-se-ia que
,
donde é fácil deduzir que
. Assumindo que se aplicam a estes números
as regras usuais dos cálculos algébricos não foi difícil descobrir que
e verificar que, de fato,
.
Bombelli percebeu claramente a importância deste achado. Ele diz:
Eu achei uma espécie de raiz cúbica muito diferente das outras, que aparece
no capítulo sobre o cubo igual a uma quantidade e um número. ... A
princípio, a coisa toda me pareceu mais baseada em sofismas que na verdade,
mas eu procurei até que achei uma prova.
|
O caso em que
, era chamado na época de
casus irreducibilis porque qualquer tentatica de calcular de fato o
valor da incógnita pela fórmula de Cardano-Tartaglia, sem conhece-lo
antecipadamente leva, de novo, à equação de terceiro grau original. Porém,
este era, em certo sentido, o mais importante de todos, pois é justamente o
caso em que a equação considerada tem três raízes reais.
Faremos aqui um pequeno resumo da evolução dos números complexos, para que o
leitor tenha uma visão global da história do assunto.
- O símbolo
foi introduzido em 1629 por Albert Girard.
- O símbolo i foi usado pela primeira vez para representar
por Leonhard Euler em 1777, apareceu impresso pela primeira vez em 1794 e se tornou amplamente aceito após seu uso por Gauss em 1801.
- Os termos real e imaginário foram empregados pela primeira vez por René Descartes em 1637.
- A expressão número complexo foi introduzida por Carl Friederich Gauss em 1832.
- A representaçãp gráfica dos números complexos foi obtida independentemente por Caspar Wessel, em 1799; Jean-Robert Argand, em 1822 e
Carl Friederich Gauss, em 1831.
- A apresentação hoje usual dos números complexos como pares ordenados de números reais foi dada por Sir William Rowan Hamilton em 1837.